Já faz bastante tempo que o pessoal entrou no salão vazio da Bienal de São Paulo, 2008, e fez uma das intervenções mais lindas e radicais que essa imprensa arte-especializada, acostumada com o glamour das grandes galerias, já noticiou. Mas, sempre cabe recordar um pouco. Do CMI:
“A ação ocorreu no dia 26 de outubro, envolveu aproximadamente 40 pichadores e pode ser considerada uma resposta às proposições da curadoria desta Bienal, intitulada “Em vivo contato”; nela “a manifestante Caroline Pivetta da Mota foi presa e passou quase dois meses em regime fechado, sendo liberada no dia 19 de dezembro para cumprir a pena em liberdade “.
Alguns videos documentando o fato:
É interessante como a arte, hoje, perdeu a força e a energia de surpreender, de criticar, de fazer refletir, de subverter, tanto as concepções, a sociedade e ela. Claro, essa nunca foi a postura dominante nos círculos artísticos ao passar da história, mas eles sempre existiram e foram importantes para a discussão e conscientização política em várias épocas. Que o digam, apenas para ficar em dois exemplos, os situacionistas e os tropicalistas.
O que vemos hoje nas faculdades de arte? O que vemos em vários coletivos, pretensa vanguarda intelectual-política? Por acaso, é comum uma contestação da arte in locco, utilizando de seus próprios meios para tal? E seria mais comum ainda o uso da arte enquanto forma de protesto, construção da concepção política, ou algo nesse sentido?
O interessante é que, apesar da postura conservadora da maioria dos atuais grupos artísticos, seu discurso é recheado de menções a contravenção/subversão. Discurso vazio, como aliás vemos em muitos grupos dito “de esquerda” por aí. Para ilustrar melhor o caso da pichação na Bienal, vemos o texto de abertura do guia da exposição, os curadores afirmaram:
“A transformação do andar térreo do Pavilhão Cicillo Matarazzo numa praça pública, como no desenho original de Oscar Niemeyer para o parque em 1953, sugere uma nova relação da Bienal com seu entorno – o parque, a cidade -, que se abre como a ágora na tradição da polis grega, um espaço para encontros, confrontos, fricções. (…) Ao contrário das bienais anteriores, que transformaram o interior do pavilhão modernista em salas de exposição, desta vez o segundo andar está completamente aberto. É nesse território do suposto vazio que a intuição e a razão encontram solo propício para fazer emergir as potências da imaginação e da invenção. Esse é o espaço em que tudo está em um devir pleno e ativo, criando demanda e condições para a busca de outros sentidos, de novos conteúdos”.
Porque as palavras foram jogadas fora, exatamente quando na intervenção os artistas buscavam outros sentidos, de novos conteúdos? E perceba, como o jogo linguístico do guia passa uma idéia de abertura para várias linguagens, subversão da arquitetura da Bienal, local de expressão para todos… esta é a falácia que ouvimos de artistas contraventores por aí, que no momento de se construir algo sério, impactante, que provoque a discussão – como no caso dos camaradas da pichadores, que em seu ato questionaram o próprio conceito de arte estabelecido – titubeam e mostram sua verdadeira postura, estritamente conservadora e de estética reducionista.
Estes artistas, que encontramos aos montes em vários lugares, devem temer aquela frase situacionista:
“QUANDO AS IDÉIAS VOLTAM A SER PERIGOSAS!!!”
Ou a esqueceram. Desconfie dos artistas.
“Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela (…). Quem não se arrisca não pode berrar.” – Torquato Neto