Esse post faz parte da Série #contraoaumento, que estou escrevendo sobre minhas impressões dos atos pela qualidade do transporte público em Teresina. Saiba mais neste link.
Algo interessante que o #contraoaumento (ou #aumentonaothe e, mais tarde, #vitoriadopovothe) mostrou foi quanto ao poder mobilizador que a rede dá para as pessoas, quando usada com inteligência e quando as pessoas querem ir às ruas também.
As formas de mobilização que se apoiam na comunicação via rede já deram várias demonstrações de força, em especial porque as manifestações que delas ecoam se tornaram, em sua maior parte, manifestações de grande proporção. Recomendo fortemente a leitura do texto da Aracele Torres, Da Rede para as Ruas, no qual ela faz um apanhado dos principais movimentos que ocorreram no mundo nos últimos dois anos que se utilizaram da internet como meio de comunicação catalizador, além de teorizar sobre as possibilidades de interação ciberespaço – ruas.
Para mim, a grande mobilização das pessoas nas ruas foi motivada pelo uso massivo das redes sociais. O prefeito aumentou a passagem na sexta a noite, o ato foi puxado para segunda de manhã. Como explicar aquele monte de estudantes nas ruas?
Lembro que na era pré-internet massificada, há poucos anos atrás, articular um a manifestação era muito complexa por conta da comunicação. No movimento estudantil, passávamos semanas planejando entre as várias entidades. Essas entidades deveriam avisar os demais estudantes de cursos e colégios específicos.
Passávamos então pelo boca-a-boca. Falas em corredores. Panfletagem em salas de aula, RU, biblioteca. Entrada em sala de aula. Carro de som rodando pela universidade… enfim. Esperávamos que as demais entidades fizessem algo parecido. E, no dia do ato, lá iam os que se importavam para as ruas.
Mas agora, a comunicação foi feita diretamente com os estudantes. Os que se importavam repassaram para o seu ciclo de amigos. E estes para seus respectivos ciclos. O efeito cascata foi potencializando a página do ato. Quem se interessava chegava lá e escrevia algo. Quem se interessava pelo que estava escrito, comentava. E assim o ato foi sendo articulado. E assim o ato saiu das mãos de entidades, organizações e pessoas que tiveram o oportunismo de se intitularem “líderes” do ato – apesar das sucessivas manobras e da iniciativa da mídia em apontá-los como tais.
Para mim, isso explica a presença massiva de estudantes secundaristas na manifestação. Universitários e populares que já passaram anos participando de manifestações olharam e se indagaram: “de onde saiu tanto estudante secundarista? Onde essa galera estava?”. Não dá pra dizer que foi alguma entidade secundarista, como UMES ou AMES, que articulou essa galera. E ainda, haviam muitos estudantes de escolas particulares da cidade. Essa galera viu a chamada do ato na internet – e foram às ruas. Sem intermediários, sem entidades burocráticas os “organizando”.
Além da própria articulação do ato, a internet serviu também para informar o que estava acontecendo, em tempo real. Manifestantes munidos de celulares com conexão à rede enviavam mensagens a todo momento. Tiravam fotos. Faziam videos. Ativistas que não puderam se fazer presencialmente, repercutiam esse material para os demais. Produziam textos, repassavam. Não é de se admirar, é notório que quem acompanhou a cobertura da manifestação pela rede achou-a bem melhor que qualquer outro portal de notícias, ou imprensa convencional, de rádio-tv-jornal.
Os estudantes fizeram a sua mídia e contaram a sua versão dos fatos. O jornalismo piauiense vai ter que conviver com essa questão daqui por diante: os manifestantes agora tem poder para também serem a mídia, e fazerem o contraponto ao discurso hegemônico de criminalização do movimento que repercutiu na maior parte dos veículos de comunicação da cidade (e do país também). De outra parte, as entidades políticas também terão que aprender como usar estas ferramentas para potencializar seus atos e entrar na guerra pela opinião pública – que sempre defendi. Para mim, a luta social é também uma batalha midiática. Se não nos atentarmos para este front, perdemos tudo.
Mas não caia no engano de que a rede é tudo. Fui entrevistado para o Cidade Verde, que deve sair na revista em setembro, sobre a importância das redes na manifestação. A jornalista me perguntou se a questão da redes foi o motivo do sucesso da manifestação. Falei que não: o que motivou o sucesso foram as pessoas nas ruas e a radicalização do ato. O que a rede propiciou foi um outro nível e estilo de comunicação e construção da memória do ato. Se por exemplo, as pessoas não estivesse afim de ir às ruas, ou se os motivos não fossem suficientes (o que são, há muitos anos), não haveria internet que conseguisse uma vitória, mesmo que inicial, sobre o SETUT+PMT.
Não vamos confundir as ferramentas de auxílio com o processo de luta em si.
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Outra característica interessante deste ato é que, além da comunicação e construção do ato via internet, ela também foi utilizada como front de ataque direto.
Os sites de algumas instituições sofreram ataques conhecidos como defacement. Estes ataques tem como finalidade colocar uma mensagem de protesto ou chamada de atenção em um determinado site. É um dos ataques mais prezados por ciberativistas que pretendem espalhar mensagens. Neste ataque, normalmente bancos de dados ou contas de e-mail não são invadidos, mas há hackers que fazem vários ataques combinados, vazando dados e provocando o defacement também. Podemos, em certa medida, comparar o defacement com a pichação.
No primeiro dia de manifestação, o próprio site do SETUT foi alvo de um defacer. A mensagem colocada era a hashtag #contraoaumento, que linkava a página na rede Twitter onde os usuários trocavam mensagens sobre o ato. Esta invasão potencializou a manifestação de madrugada, levando a palavra SETUT a atingir os tópicos mais comentados da rede no Brasil, naquele horário.
No dia seguinte o site do PSTU também sofreu um ataque defacement. A mensagem falava de uma pessoa (alguém) que estava indignada com a questão do reajuste das passagens e da falta de mobilização da maioria da população.
Já na última sexta, último dia da manifestação, um grupo de hackers fez um defacement no site do Diário Oficial do Piauí, ligado ao governo do estado. A mensagem mostrava o apoio do grupo aos manifestantes do #contraoaumento.
Será que agora teremos mais ataques defacement ou de outros tipos nas mobilizações sociais em Teresina?