Estamos a poucas horas da votação em primeiro turno da PEC 55, projeto de emenda constitucional popularmente conhecido como “PEC do Teto dos Gastos”. O líder do governo no Senado, Romero “tem que mudar o governo para estancar essa sangria” Jucá, estima que a proposta será aprovada por 62 à 65 votos.
Poderíamos alterar o nome popular do projeto para termos maior clareza do tipo de impacto que ele terá no país. A PEC congelará por 20 anos não só os gastos mas também os investimentos em todos os setores do poder público federal exceto o pagamento da dívida. Nesse intervalo de tempo, o reajuste no orçamento em cada setor será realizado tomando-se por base apenas o IPCA – índice da inflação – do ano anterior.
Quando aprovado, a lei ficará em vigor por 20 anos mas poderá ser reavaliada em 10 anos, apenas para alterações no índice de reajuste estabelecido – ou seja, nada muito significativo. Uma ausência também chama atenção no texto da PEC, onde não há qualquer dispositivo que permita aumento nos investimentos mesmo no caso do país voltar a crescer e exibir números positivos na economia – estaríamos ainda presos ao reajuste exclusivo pela inflação do ano anterior.
Isso significa que importantes investimentos no país passarão duas décadas sem reajuste real, não importa o que aconteça com nossa sociedade e economia. As famílias que dependem de escola e saúde públicas serão as mais afetadas, principalmente porque aquelas que hoje não utilizam esses recursos passarão a demandá-los a medida que o desemprego continuar em alta, impactando significativamente esses sistemas. O aumento no número de idosos também exigirá mais investimentos na saúde, enquanto a redução nos investimentos do Estado em infraestrutura poderá nos legar mais atrasos em desenvolvimento econômico e mais desemprego.
Sendo muito claro, estamos diante de uma lei excessivamente radical. Nem digo que a estratégia de congelar investimentos seja de todo equivocada, mas o prazo estipulado, o índice utilizado, a falta de um dispositivo para aumentar investimentos em um cenário de crescimento econômico, fazem dessa proposta uma das mais radicais que já acompanhei desde quando me interessei por política. Por que não uma lei que limitasse os investimentos por 2~5 anos, para em seguida ser avaliada e realizar correções? Por que não aumentar significativamente o orçamento quando o país registrar 2 anos consecutivos de crescimento econômico positivo? Enfim, há muitas possibilidades de alterações na lei que poderiam deixá-la menos radical, mais palatável e realista, mas a pressa em aprová-la e a submissão de um legislativo implicado em todo tipo de escândalo, junto com um presidente tampão que com seus principais assessores dificilmente estará aqui para ver as consequências dessa lei, fazem o perfeito cenário para um triste desastre que nós pagaremos.
Como professor universitário me interessa sobremaneira o impacto da PEC 55 na ciência do país. Em reportagem para o blog de ciência do Estadão, o jornalista Herton Escobar escreveu duas matérias especiais sobre a crise na ciência brasileira. Na parte I o jornalista trata do corte no orçamento que ocorreu esse ano e o impacto no que restou do ministério da ciência fundido ao das comunicações, além de órgãos relacionados como os laboratórios de luz síncotron e o de computação científica. A parte II investiga a situação do CNPq e da FINEP. Atentem que essas matérias foram escritas em agosto, meses antes da proposta da PEC.
Um diferencial das reportagens citadas é a presença de gráficos com os valores do orçamento para diversas entidades que compõe o setor de ciência no Brasil de 2006 para cá, devidamente corrigidos pela inflação. E a constatação não poderia ser mais lamentável: os investimentos em ciência hoje no Brasil estão menores que 10 anos atrás.
Na última década tivemos um aumento expressivo no ensino superior no país, tanto na graduação quanto na pós. Diversas novas universidades foram criadas, novos programas de pós-graduação foram instalados, os Institutos Federais se adensaram e promoveram um forte programa de interiorização, foram formados milhares de novos mestres e doutores, houveram recursos para internacionalização da ciência produzida aqui. E depois de todas essas mudanças positivas, estamos sustentando um sistema com menos recursos do que o que tínhamos disponível quando ele era muito menor, 10 anos atrás.
Agora as projeções: com a aprovação da PEC 55, esse irrisório orçamento da ciência que é o menor em 10 anos e que não sustenta o atual sistema de ciência do país, será congelado por mais 20 anos.
O orçamento da ciência representa recursos que estão bem próximos de quem trabalha na área. São nossas taxas de inscrição, passagens e diárias para participarmos de congressos, são nossas diárias para participarmos de bancas de trabalho de conclusão de curso, mestrado e doutorado, são os valores disponíveis para compra de material e equipamentos, expansão e manutenção de laboratórios, construção de estruturas físicas nos campi universitários, são nossas bolsas de produtividade e também as bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado de nossos alunos, entre outros investimentos.
Passar as próximas duas décadas com esse orçamento congelado em um nível tão baixo representará o desmonte da ciência no país. Sem incentivos para renovar laboratórios e equipamentos, sem bolsas para os alunos, como fazer ciência? A perspectiva é que, nesse cenário, o país terá uma nova onda de “fuga de cérebros”, quando cientistas deixam seus postos para trabalhar em ambientes mais propícios em outros países. Inclusive isso já acontece hoje, com o caso recente mais emblemático sendo o da Suzana Herculano-Houzel.
Contra a PEC 55 diversas reitorias estão ocupadas, técnicos e professores estão em greve, e as principais sociedades científicas como ABC e SBPC estão pressionando senadores a votarem contra o projeto. Estou perfilado ao lado desses companheiros nessa luta justa e necessária dado a radicalidade dessa lei, ainda que infelizmente eu seja um dos poucos professores a encampar a greve na faculdade de computação da UFPA.
Caso a PEC venha mesmo a ser aprovada do jeito que está, vamos acompanhar o impacto em nossa sociedade e ver o que acontece. Espero não ter que recorrer a um aeroporto para trabalhar com dignidade no que gosto e me preparei anos para fazer.
Filipe você me dizer onde posso encontrar os valores gastos com:
“São nossas taxas de inscrição, passagens e diárias para participarmos de congressos, são nossas diárias para participarmos de bancas de trabalho de conclusão de curso, mestrado e doutorado, são os valores disponíveis para compra de material e equipamentos, expansão e manutenção de laboratórios, construção de estruturas físicas nos campi universitários, são nossas bolsas de produtividade e também as bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado de nossos alunos, entre outros investimentos”.
Grande Dann, descriminado assim detalhado acho que você consegue via LAI acionando a CAPES, CNPq, FINEP, e demais agências.
Não sei te dizer se esses dados já estão disponíveis em algum site, como o Portal da Transparência.