(Artigo publicado no jornal O Globo de 11/11/2007)
A necessidade de fortalecer o papel do Estado na resolução de desequilíbrios nesse setor estratégico vem crescendo na medida em que a legislação envelhece e os desafios se apresentam.
A dinâmica tecnológica devenos levar a uma discussão mais estratégica: a necessidade de uma política nacional para os direitos autorais. Como combinar, nesse novo contexto, a legítima proteção aos autores e as inúmeras oportunidades da convergência tecnológica? Como favorecer um sistema nacional de propriedade intelectual moderno, equilibrado e justo face à enorme demanda cultural do país? Como promover uma sociedade menos desigual no acesso à cultura e ao conhecimento?
O debate foi suscitado porque o Ministério da Cultura recuperou seu papel de articular a política cultural autoral, na busca do necessário equilíbrio que os direitos conferidos aos criadores devem ter com os direitos dos cidadãos brasileiros de acesso à cultura e ao conhecimento, bem como com o direito daqueles que investem na cultura, os chamados “investidores culturais”.
O Brasil ainda não consolidou seu marco autoral na proteção aos criadores, que ficam fragilizados nos contratos que lhes são impostos. O modelo regulatório autoral deve buscar garantir aos criadores o legítimo retorno pelo bem-estar que propiciam à sociedade. Entretanto ainda são muitos os desequilíbrios: a diferença de poder econômico entre criadores e investidores; a perda de controle das obras pelos seus próprios criadores; a insatisfação geral com a repartição das receitas e benefícios. O poder público deve promover a maior transparência na gestão das entidades arrecadadoras, apoiar a modernização da gestão coletiva (feita sempre por entidades brasileiras) e desenvolver outros meios de produção e repartição dos benefícios econômicos a partir de obras protegidas por direito autoral. Alguns defendem o uso dos DRMs — software para inviabilizar cópias de arquivos — como forma de proteger autores de cópias não autorizadas na internet. São soluções ineficientes, onerosas e com crescente rejeição nos países desenvolvidos. Além disso, restringem a inovação tecnológica e os direitos básicos dos cidadãos para reproduzir obras com fins legítimos.
Nossa lei não diferencia cópia comercial de cópia privada: ao copiar um arquivo para um tocador de MP3 estamos, todos, cometendo uma ilegalidade. No Brasil, o que temos de parecido com o mecanismo legal norte-americano de “uso justo” de obras protegidas é bastante limitado. Boa parte dos estudantes brasileiros comete ilegalidade ao produzir cópias de livros para sua formação educacional. O monopólio que foi concedido para o autor em relação à sua criação foi uma conquista histórica, mas teve a sua contrapartida nas cláusulas de limitações e exceções, que permitem a cópia de trechos de obras audiovisuais, de um livro, ou mesmo de uma música, sem que isso signifique uma violação do direito de autor. Essas cláusulas, no Brasil, estão entre as mais restritivas do mundo.
Por isso, precisamos debater a mo derniz ação do sistema legal e o fortalecimento do poder público na supervisão e na promoção desses vários equilíbrios. A presença do Estado na seara autoral nesses moldes é o que ocorre na imensa maioria dos países do mundo. Nesse sentido, o Ministério da Cultura — e diversos parlamentares ligados ao tema — está empenhado em promover a mais ampla discussão que vai embasar a atualização da lei. O I Fórum Nacional de Direitos Autorais será realizado em 2008, envolvendo autores, entidades, empresários e sociedade civil.
Sozinho, o poder público não pode implementar uma estratégia ampla para o setor. Há um grande desafio de inovação para o setor cultural. O modelo do Creative Commons não é uma política de Estado e nem uma iniciativa inventada pelo MinC, mas um movimento cultural mundial relevante, onde os autores, conscientes de seus direitos, distin guem usos com finalidades comerciais e não comerciais. Aproveitam ao máximo o potencial de divulgação da convergência tecnológica e se beneficiam dela. Tais licenças alternativas não resolvem todos os problemas da área autoral e podem não se adequar a todos os criadores, como, por exemplo, o compositor que não é intérprete. Para eles, naturalmente, é preciso resguardar a utilização das ferramentas tradicionais do direito autoral. No entanto, para aqueles que se iniciam na área cultural tais licenças podem ser benéficas na construção de suas carreiras.
O Ministério da Cultura participa com outros ministérios na política de combate ao crime organizado, e aos núcleos que lideram a organização da pirataria no Brasil. Combinada à repressão, o governo tem dado grande ênfase a medidas educacionais, econômicas e de combate à desigualdade. O desafio é trazer para a formalidade a distribuição de bens culturais, gerando emprego e renda.
São desafios dos séculos XX e XXI. Sem perder tempo, o Brasil investe hoje na infra-estrutura material (estradas, energia e portos, através do PAC) e nas políticas estratégicas para um genuíno salto e reposicionamento na cultura, na tecnologia, na sociedade do conhecimento. Acreditamos que uma legislação autoral equilibrada e moderna é condição para esse salto — assim como um Ministério da Cultura fortalecido na gestão dessa política. Podemos dizer que o edifício autoral poderá novamente erigir-se. Reformas como essa são mais do que necessárias, são inevitáveis.
Fonte: Cultura Livre