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Ainda a busca da narrativa dos heróis da ciência brasileira

Semanas atrás fomos brindados com uma importante notícia para a ciência brasileira: João Moreira Salles, documentarista e cineasta, herdeiro da família controladora do antigo Unibanco, e sua esposa Branca Vianna Moreira Salles, linguista e professora da PUC-RJ, lançaram o primeiro instituto privado de fomento à ciência, a Serrapilheira.

Os diversos textos sobre o lançamento do instituto dão a entender que a Serrapilheira apoiará pesquisadores já estabelecidos e com potencial para realizar contribuições relevantes que terão grande impacto em suas respectivas áreas de atuação. O instituto concentrará apoios para pesquisadores das áreas de ciências exatas e naturais, engenharias, e ciências da vida.

Do texto da Folha linkado anteriormente, destaco o seguinte trecho que tem comentário de João Moreira Salles:

Ficaram de fora do guarda- chuva do Instituto Serrapilheira as ciências humanas. A explicação, diz Moreira Salles, é que a área das ciências naturais carece de personagens no imaginário brasileiro e na dramaturgia do país.

“Na cabeça dos jovens, tornar-se um cientista não é algo tão empolgante ou descolado”, diz. Ele cita um ano em que se formaram 30 alunos de cinema na PUC-RJ e apenas dois matemáticos na mesma instituição. “O Brasil será uma tragédia. Uma tragédia bem filmada, mas ainda assim uma tragédia.”

Dos grifos, percebe-se que João Moreira Salles, talvez como alguém ligado às “artes da narrativa” – cinema, literatura – é um adepto da ideia de que a ciência brasileira terá mais atenção, se tornará popular e terá consequentemente mais investimentos, quando tivermos mais “heróis” na área: cientistas reconhecidos pelo público em geral, famosos, cujos trabalhos tem impacto e estão com presença frequente na mídia.

Isso talvez explique o suporte midiático que João Moreira Salles deu a Artur Avila quando o matemático venceu a Medalha Fields. Naquela época, o documentarista realizou diversos curtas como Artur tem uma mala, Artur tem uma gravata e Artur tem uma medalha. Somado a edição especial comemorativa da Piauí (que também é de propriedade de João) sobre o tema, podemos concluir que a experiência com Avila já foi uma tentativa de João colocar em prática a ideia da construção da narrativa de um herói para a ciência brasileira.

Artur Avila mostra como se faz matemática, por João Moreira Salles

A ideia de construirmos narrativas de heróis da ciência brasileira já foi defendida por iminentes cientistas e mesmo ministros de estado. Em 2015 durante reunião da SBPC em São Carlos, o então ministro da ciência e tecnologia (sim, uma vez tivemos um ministério de ciência e tecnologia!) Aldo Rebelo (sim, ele foi ministro dessa pasta) ao comentar um resultado muito ruim de uma pesquisa sobre a popularidade da ciência no país – que dizia que apenas 6 em cada 100 brasileiros lembravam o nome de um cientista – respondeu “Não temos celebridades da ciência”.

No mesmo evento, a presidente da SBPC Helena Nader disse:

“Fico muito triste, nada contra o esporte, mas você fala com meninos e eles querem ser jogadores de futebol. Se a gente conseguir romper essa barreira, as famílias, os jovens, vão falar ‘vou querer ser cientista’, ‘vou querer ser professor’.”

E para finalizar, o matemático ex-presidente do IMPA e presidente da ABC Jacob Palis falou:

“Eu acho que nós precisamos mais de celebridades. Parece uma coisa fútil, cientista não gosta de celebridade, mas a difusão da ciência brasileira passa por aí. Precisamos de heróis.”

Cabe ressaltar que Jacob Palis é muito próximo de João Moreira Salles, também reconhecido como grande doador e divulgador dos trabalhos do IMPA. Os dois, portanto, compartilham a ideia de que precisamos de heróis para a ciência nacional.

Na blogosfera científica o tema é controverso. A época do evento da SBPC, diversos blogueiros questionaram a ideia da necessidade de heróis, outros concordaram, outros disseram que ela pode ser interessante mas não é o suficiente para resolver os problemas da área. Uma coleção de links e extratos de opiniões sobre o tema podem ser encontrados nesse post do Gene Repórter.

Do exposto, a Serrapilheira certamente será um veículo de grande importância para a aplicação da ideia de se criar narrativas de heróis da ciência brasileira. Se esse é o caso, certamente João Moreira Salles, documentarista que sabe bem o poder que uma boa história pode ter, é a pessoa mais indicada para colocar esse plano em movimento.

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